Nesta quarta-feira, 7 de agosto, a Base Aérea de Natal (BANT) está celebrando 82 anos de existência, uma histórica que merece preservada e passada adiante com louvor. A base é sem dúvida uma das unidades militares mais importantes e maiores da Força Aérea Brasileira (FAB), sendo responsável pela especialização – Asa Rotativa, Transporte ou Caça – de todos os pilotos da instituição, atualmente, realizada após a conclusão do curso na Academia da Força Aérea (AFA) e ainda conta com unidades operacionais que atuam na defesa do território nacional.
Mais de oito décadas de existência possui um valor único, ainda mais quando tem em seu currículo uma guerra mundial e inúmeras histórias particulares, de cada homem ou mulher que passou por ali. Infelizmente, a própria FAB não se deu conta deste legado, no tocante a preservação material e imaterial do local, pois com o passar do tempo fica cada vez mais difícil e oneroso manter esta memória viva, principalmente, a manutenção dos prédios históricos.
Ao mesmo tempo que é um privilégio ter essa carga histórica é também uma responsabilidade que desafia questões financeiras e culturais.
O nascimento da BANT e a glória dos anos 1940
Sua origem acontece a partir do decreto de ativação, publicado em 7 de agosto de 1942, em plena segunda guerra mundial, contexto muito importante para o seu surgimento. Sua história se confunde com o surgimento do então recém-criado Ministério da Aeronáutica (Decreto 2.961, de 20 de janeiro de 1941) e a incursão do Brasil na Segunda Guerra, já que no mesmo agosto de 1942 o país declarou guerra à Alemanha. E em janeiro deste ano já tinha rompido relações diplomáticas.
A BANT ocupou, inicialmente, as instalações das companhias áreas pioneiras, a Air France e Linee Aeree Transcontinentali Italiane (LATI), onde tinha alojamento dos pilotos e mecânicos, hotel de trânsito, estação rádio e hangares. Vale lembrar, que no fim de 1941, esta mesma estrutura, que contava com uma pequena pista de pouso de barro recebeu os primeiros aviões DC-2, fornecidos pelos americanos aos ingleses, passando clandestinamente em território brasileiro, pois ainda não havia ocorrido as declarações de guerra. O transporte era feito sob a fachada da Pan American Airways System.
De acordo com o livro “A História da Base Aérea de Natal”, do coronel Fernando Hyppólito da Costa, após sua ativação em 1942, a unidade passou a funcionar com um efetivo substancial de 177 militares, sendo 21 oficiais e 156 subalternos. Importante citar que nesta etapa, a base estava no setor Oeste, próximo à Parnamirim, e o Ministério da Aeronáutica já ampliava a quantidade de prédios, providenciando quartel general, alojamentos, cinema e depósitos. Esses militares compartilhavam com os americanos, que se encontravam no setor leste, as duas pistas, a então 12 e 16, e o perímetro de segurança.
Agosto de 1942 também ficou marcado pelos ataques aos navios mercantes brasileiros pelos submarinos alemães e esta situação se complicou nos anos seguintes, com número crescente de vítimas. Isso gerou uma enorme tensão em todo o território nacional, principalmente no Nordeste, com notícias se espalhando de ataques (bombardeios e invasão anfíbia). O medo nas pessoas era crescente, somando-se as notícias dos jornais do avanço alemão na Europa, África e Oriente Médio. Há época, surgiu até um suposto mapa interceptado pela inteligência britânica na Argentina, o qual mostrava pontos de interesse na América do Sul, em especial Brasil, incluindo Natal. Havia um grande temor de uma invasão alemã caso ocorresse a tomada do Norte da África, do outro lado do Atlântico, abrindo caminho para uma invasão das américas.
Neste contexto, a base ganhou muita importância, local e internacional. A nível de Brasil, protegia o território nacional, sobretudo o Nordeste, enquanto que na questão internacional passou integrar uma extensa rede de base dos aliados em guerra, importante na logística do material aéreo bélico e territorial, pois servia de escudo contra os ataques dos U-boots e uma possível ofensiva contra o canal do Panamá, um ponto vital no transporte marítimo entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
A reação militar veio de duas maneiras, a primeira garantindo a soberania aérea com o patrulhamento dos céus, entre o Ceará e a Paraíba, e a cobertura dos comboios marítimos, a partir de 10 milhas náuticas. A partir da BANT, utilizava-se os North American T-6 e depois os Curtiss “P-40” nessas missões de guerra. Em outro momento, essa história do P-40 em Natal, merece ser contada, a partir do ponto de vista, da formação do 2º Grupo de Caça, que à época iria complementar o esforço do 1º Grupo na Itália e chegou-se a cogitar seu envio ao teatro de guerra no Pacífico, após a rendição na Europa. O que não se concretizou.
Com o fim da guerra, em agosto de 1945, a Base Aérea de Natal – como uma unida integrante do esforço aliado – recebeu elogios das mais altas autoridades dos Exércitos Aliados, como o comandante, o general Dwight D. Eisenhower, como do ministro da Aeronáutica, Eduardo Gomes.
Uma das falas mais conhecidas diz respeito ao complexo militar aliado, atribuída ao presidente Harry S. Truman ou até mesmo a primeiro ministro Wiston Churchill, em que se diz: “Se não fosse a base de Natall, a guerra teria durado mais cinco ou dez anos”. De fato, não há qualquer comprovação histórica sobre a proclamação da frase, com exceção de um vídeo oficial do Departamento de Guerra americano denominado “Gracias Amigos”.
E de concreto, em 1944 e 1945, o presidente Franklin Delano Roosevelt fez menções a Natal em falas no Congresso dos EUA, para justificar gastos e investimentos nas forças armadas que estavam no estrangeiro.
Em 1946, os americanos deixam a cidade potiguar e os brasileiros passaram a ocupar tanto o lado oeste como o lado leste da BANT. Em 1947, é criado o 5º Grupo de viação, dando início a vocação formadora de pilotos da unidade militar, pois tinha a missão de ministrar a instrução operacional da Aviação de Bombardeio para os aspirantes, operando os famosos North American B-25 “Micthell”, a mesma aeronave do raid de Tóquio, liderado pelo coronel James Doolittle. O 5º Grupo, por meio do seu 1º / 5º GAV ficou conhecido como herdeiro das unidades de bombardeio da 2ª Guerra.
A BANT e suas variantes
Em 1953, foi ativado o 2º Esquadrão do 5º Grupo de Aviação ( 2º / 5º GAV) na BANT, com a missão de formar os pilotos de caça com os F-47 “Thunderbolt”, os mesmos aviões utilizados pelos brasileiros do Senta a Pua, na Itália, nos anos 1940. E vale citar que não era apenas aviões similares, pois alguns deles literalmente foram usados na guerra e aproveitados no 5º GAV. Até 1970, passaram ainda pela BANT, aviões como: o C-41 “Paris”, T-45 e B-26 “Invader”. No ano de 1973, após destativação do 2/5 GAV, o 1/5 foi transferido para Recife.
Um dado curioso diz respeito a Portaria nº 69, de 29 de março de 1950, do Ministério da Aeronáutica, a qual transferiu para o setor Oeste da BANT, a Escola Técnica de Aviação (ETAv), até então sediada em São Paulo e tinha por finalidade realizar a formação dos sargentos especialistas da FAB. Contudo, a escola nunca chegou a funcionar sendo desativada em 7 de outubro de 1953 (Decreto nº 34.095), com a criação da Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAR).
A década de 1970 foi de mudanças importantes na BANT, talvez as mais impactantes nos seus primeiros 30 anos. A primeira delas, por ironial foi sua desativação iniciada com o Decreto nº 62.988, publicado em 15 de julho de 1968, regulamentado em 24 de fevereiro de 1970, cedendo espaço para o Centro de Formação de Pilotos Militares (CFPM), que viria a ser ativado em 6 de março de 1970, quando na realidade mudou o nome mas manteve a essência, auxiliando na formação dos aviadores.
Essa não seria a primeira vez que a unidade sofreria esta mudança. Já em 1973, o CFPM deixa de existir (Decreto nº 73.223) e passa a ser Centro de Aplicações Táticas e Recompletamento de Equipagem (o famoso Catre). Equipado com os T-23, T-37 e T-25, entre 1970 e 1973, o CFPM teve 1.086 alunos, dos quais 625 se formaram, sendo 36 desses estrangeiros.
Centro de Aplicações Táticas e Recompletamento de Equipagem
Em 1974, surge o “queridinho” da população natalense, o Catre, onde os oficiais aviadores chegavam para realizar o estágio de formação ou especializações. Merece explicar que o CFPM era uma porta de entrada para jovens pilotos, antes de irem à Academia da Força Aérea (AFA), enquanto que o Catre já recebia o aspirante a oficial, oriundo da AFA. Nesta época, os pilotos da caça passaram a operar aviões a jato e o C-95 “Bandeirante”, um projeto exitoso da Embraer.
Os anos 1980 chegam com novidade e o retorno do 5º GAV a Natal, agora na organização militar Catre, em janeiro de 1981, substituindo o Grupo de Instrução Aérea (GIA). Essa relação da BANT com o 5GAV perdura até os anos 2000.
Nesse período, o Catre marcou a memória de muitas pessoas, com inúmeros eventos sociais como o Baile do Aviador, Portões Abertos e etc. Ele volta a ser BANT, que volta a ser Catre e depois ALA Aérea, antes de voltar a ser BANT uma última vez. Como foi dito antes, essas mudanças de nomenclatura mantêm a essência da unidade militar na formação e aperfeiçoamento de militares, se adequando as necessidades da FAB.
A Era da Modernidade – 1990 a 2000
Durante os anos 1990 e 2000, a FAB passou por um processo de modernização, em que basicamente deixou o analógico e partiu para o digital. Aviões sendo modernizados e processos cada vez mais exigentes para garantir a segurança do país e do voo. A população de Natal teve que se acostumar com o barulho do motor a jato dos AT-26 ao lado do turbo hélice do T-27 “Tucano” e C-95 “Bandeirantes”.
Logo nos anos 2000, novidades surgiram. A inserção da formação na especialidade de Asa Rotativa, inserindo no céu potiguar o equipamento helicóptero, os mais comuns H-50 “Esquilo” e depois os H-36 “Caracal”. Outra novidade foi o recebimento no 2º / 5º GAV das aeronaves A-29 “Super Tucano”, em 2004, substituindo o AT-26 “Xavante”, que continuo sendo utilizado no 1º / 4º GAV.
AERONAVES DA BANT E LINHA DO TEMPO 1940 – 2000
Anos 1940
P-40 (1º Grupo Misto de Aviação)
B-25 “Michtell” (5º GAV)
UC-43 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
UC-61 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
A-28 (1º Grupo Misto de Aviação)
B-18 (1º Grupo Misto de Aviação)
AT-6 (5º GAV)
P-36 (Grupo de Monoposto Monomotor BANT)
WACO (Esquadrilha de Adestramento BANT)
T-19 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
AT-11 ou AT-7 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
Anos 1950
B-25 “Michtell” (5º GAV)
B-26 “Invader” (5º GAV)
AT-6 (5º GAV)
UC-61 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
AT-11 ou AT-7 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
F-47 “Thunderbolt” (5º GAV)
UC-45 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
Anos 1960
B-26 “Invader” (5º GAV)
AT-6 (5º GAV)
C-41 “Paris” (5º GAV)
TC-45 (5º GAV)
U-42 “Regente” (BANT)
Anos 1970
UC-45 (Esquadrilha de Adestramento BANT)
AT-6 (5º GAV)
TC-45 (5º GAV)
T-37 (CFPM)
T-23 “Zarapa” (CFPM)
T-25 (CFPM)
Anos 1980
AT-26 “Xavante” (2º/5º GAV e 1º/4º GAV)
C-95 “Bandeirante” (5º GAV)
T-27 “Tucano” (1º/5º GAV)
Anos 1990
AT-26 “Xavante” (2º/5º GAV e 1º/4º GAV)
C-95 “Bandeirante” (5º GAV)
T-27 “Tucano” (1º/5º GAV)
Anos 2000
AT-26 “Xavante” (2º/5º GAV e 1º/4º GAV)
C-95 “Bandeirante” (5º GAV)
T-27 “Tucano” (1º/5º GAV)
A-29 “Super Tucano” (2º/5º GAV)
C-98 “Caravan”
H-50 “Esquilo”
H-36 “Caracal”
Agradecimentos:
- Pesquisador Fred Nicolau.
- Cel Aparecido Camazano.
- Cel Fernando Hyppólito (em memória).
*Texto publicado originalmente em 2022, por ocasião dos 80 anos da BANT.