O avião secreto que passou por Natal durante a Segunda Guerra

No final de 2024, os chineses revelaram ao mundo, na região de Chengdu – o que pode ser – um dos primeiros caças furtivos de combate de 6ª geração e em condições operacionais.

Podemos imaginar como seria se algo assim acontecesse no Brasil?

B-29 “Superfortaleza Voadora” em Parnamirim Field (Foto: Acervo do autor)

É possível, ou melhor, rememorar algo do tipo pois em 1944, a base de Parnamirim Field, em Natal/N, recebeu a visita de vários esquadrões equipados com um avião ultrassecreto e vital para a para o fim da Segunda Guerra Mundial. Guardadas as proporções, seria como se durante um exercício militar, a exemplo da Cruzex, os EUA trouxessem para Natal um F-22 “Raptor” ou até mesmo um SR-72.

No caso real e histórico, estamos falando da passagem das B-29 “Superfortaleza Voadora” e antes de contar esse episódio único, precisamos resgatar alguns fatos. O primeiro deles, o ataque japonês contra as forças navais norte americanas, em 7 de dezembro de 1941, no arquipélago de Pearl Harbor, no oceano Pacífico, que colocou de vez os EUA na Segunda Guerra Mundial e despertou um sentimento quase que unânime entre os americanos de que deveria haver uma resposta militar contra o Japão.

A primeira tentativa foi o “raid de Doolittle”¹ que aconteceu ainda em abril de 1942, quando uma esquadrilha de bombardeiros médios B-25 “Mitchell” decolaram do porta-aviões USS Hornet, sob diversas limitações que influenciaram o poder de fogo e autonomia, motivos que obrigaram os pilotos a fazerem um ataque pouco efetivo em áreas industriais de Tokyo e Nagoya, e realizarem pousos forçados ao leste da China, onde os japoneses já ocupavam o território, o que facilitou a captura dos pilotos e tripulantes.

B-25 “Mitchell” decolando para o Raid Doolittle

Demorou sete meses para que um novo ataque fosse planejado, apenas em janeiro de 1943, na Conferência de Casablanca, onde estavam o presidente americano Flanklin Delano Roosevelt, o primeiro-ministro inglês Winston Churchill, e inúmeros generais aliados. Um dos temas discutidos foi um plano de ataque efetivo e impactante em território japonês, ou seja, deveria fragilizar a máquina de guerra em alguma cidade industrial. Coincidentemente, esse encontro antecedeu em alguns dias a Conferência do Potengi, em Natal.

Ainda em agosto de 1943, o Estado Maior Anglo-Americano discutiu um ataque ao Japão a partir das ilhas Marianas – que precisavam serem reconquistadas dos japoneses –, pois enxergavam um desafio muito grande do ponto de vista logístico, a utilização de bases no continente chinês. Contrariando esta visão, Roosevelt autorizou no final do ano o uso de grandes bombardeios a partir da China, pois estava impaciente.

O plano previa que os aviões decolariam da China, atacariam o Japão, e pousariam em segurança de volta ao ponto de partida, sem risco de serem abatidos ou capturados. Esta ideia envolvia e dependia de um novo avião, o B-29 “Superfortress” (Superfortaleza Voadora), o mesmo tipo de aeronave que lançaria a bomba atômica, em 1945.

O B-29 era um projeto americano inédito, iniciado em 1939 que saiu do papel apenas em 1943, entrando em operação em 1944, justamente nesta missão especial. A maior novidade desse avião era o fato de ser um dos primeiro pressurizados, o que permitia a voar a grandes altitudes, entorno de 10 mil metros (m), o que tronava ideal para atravessar o Himalaia e difícil de ser abatido por caças inimigos ou baterias antiaéreas.

A tripulação de um B-29 era composta por até 11 pessoas – piloto, copiloto, bombardeiro, engenheiro de voo, navegador, operador de radiotelegrafo, observador de radar, artilheiro da direita, artilheiro da esquerda, controlador de tiro central e artilheiro da cauda. À época chegou a ser uma das maiores aeronaves americanas, um quadrimotor com cerca de 46 m de envergadura, 30 m de comprimento e mais de 8 m de altura.

Voltando ao plano de decolar da China. O primeiro desafio era como colocar os aviões em território chinês, tendo em vista que os equipamentos não tinham autonomia para cruzar o Pacífico. A solução foi utilizar a rota logística do teatro de operações China, Burma e Índia (CBI), com mais de 20.000 km de distância, na qual os aviões partiriam dos EUA, passariam pelo Brasil – mais especificamente em Natal/RN – em direção a África, antes de entrar no teatro CBI.

Para tal, foi criado o 20º Comando de Bombardeiros (1943 – 1945). Em dezembro de 1943, militares americanos chegaram à Índia para construírem a estrutura necessária, sobretudo, aeródromos, um total de oito. Tudo isso para preparar a chegada dos bombardeiros e suas tripulações, algo similar ao ocorrido em Natal/RN, ainda em 1941, antes dos EUA entrarem na guerra

Sala de mapa de Parnamirim Field (Acervo do autor)
Rota descrita no livro Fligth to Everywhere, do autor Ivan Dimitri (Acervo do autor)

A partir de março de 1944 os primeiros Grupos de Bombardeiros deixam os Estados Unidos e passam por Natal, sendo eles: 40th, 444th, 462tn e 468th. Isso pode ter totalizados cerca de 80 aeronaves do tipo B-29, até junho de daquele ano. Foi uma operação secreta e ágil, pois o quanto antes deveria chegar ao Oriente, o que ficou conhecido como a Operação Matterhorn. Vale explicar que a rota de voo partindo dos EUA não poderia utilizar o oceano Pacífico, pois a aeronave não tinha autonomia para decolar de uma ilha e retornar em segurança.

Ao longo dos anos era comum ouvir em Natal/RN a história da passagem desses aviões secretos, que ninguém pôde chegar perto ou fotografar. O relato ganhou força e um autor ao ser publicado no livro Fairwing Brazil, do autor John Harrison, onde é possível encontrar o seguinte trecho sobre a passagem das “Superfortalezas Voadoras”:

“No início de 1944, um dos meus companheiros da Marinha veio correndo animado para o laboratório fotográfico gritando; “Vamos lá para a linha de voo”. Você não vai acreditar no tamanho dos aviões que estavam chegando. Era o primeiro B-29 a caminho do Pacífico. Naquela época, o B-29 não tinha sido divulgado, então não tínhamos permissão para tirar nenhuma foto dele. Alguns desses primeiros B-29 estavam indo para a Índia e China para participar das primeiras campanhas de bombardeio contra o Japão. Isso foi antes de capturarmos as Ilhas Tinian ou Saipan, que mais tarde foram usadas como bases B-29. O uso de B-29 da Índia ou China aparentemente não foi eficaz e os ataques realmente bem-sucedidos ao Japão ocorreram mais tarde a partir de outras bases no Pacífico Ocidental”.

B-29 estacionadas em Parnamirim Field (Foto: Acervo do autor)

Com a ajuda do site do pesquisador Joe F Baugher conseguimos identificar 89 aeronaves B-29 que passaram por Natal, sendo todas ligadas aos 40th, 444th, 462tn e 468th Grupos de Bombardeiros. Esse número pode ser ainda maior, tendo vista que ocorreram acidentes durante o traslado, ainda na América Central, e pelo menos um deles ao decolar de Parnamirim.

Em 15 junho, 68 dessas “Superfortresses” decolaram à noite de bases de preparação em Chengtu para bombardear a Imperial Iron and Steel Works, em Yawata, em Kyūshū, a mais de 1.500 milhas de distância. Coincidentemente, a região onde as B-29’s permaneceram na China é a mesma que citamos no início desta publicação, onde o caça de 6ª geração fez o sobrevoo.

Voltando ao tema segunda guerra. A missão seria o primeiro ataque às ilhas japonesas desde o ataque Doolittle em abril de 1942 e marcou o início da campanha de bombardeio estratégico contra o Japão. Apenas quarenta e sete dos sessenta e oito B–29s no ar atingiram a área alvo; quatro abortaram com problemas mecânicos, quatro caíram, seis lançaram suas bombas devido a dificuldades mecânicas e outros bombardearam alvos secundários ou alvos de oportunidade. Apenas um B–29 foi perdido para aeronaves inimigas.

O bombardeiro muito pesado ainda sofria de problemas mecânicos que aterraram algumas aeronaves e forçaram outras a voltar antes de lançar suas bombas. Mesmo aqueles B–29s que atingiram a área alvo muitas vezes tiveram dificuldade em atingir o objetivo, em parte por causa da extensa cobertura de nuvens ou ventos fortes. Formações maiores poderiam ter ajudado a compensar o bombardeio impreciso, mas Saunders não tinha B 29s suficientes para despachar grandes formações.

Além disso, a Vigésima Força Aérea periodicamente desviava as Superfortalezas de alvos estratégicos para apoiar os comandantes do teatro no Sudeste Asiático e no sudoeste do Pacífico. Por essas razões, o XX Comando de Bombardeiros e os B-29s falharam amplamente em cumprir sua promessa estratégica. A partir de 1945, os ataques partiram da ilha de Tinian, no arquipélago das Marianas. De fato, ficou pouco registro ou quase nenhum da passagem desses aviões pelo Brasil.

Gráfico do pesquisado John Shively

Lista das B-29 que passaram por Natal/RN

NBGSNData da IncorporaçãoName
1444th422442028/04/1944
240th422445209/05/1944
3468th422444609/05/1944
4462nd422444810/05/1944
5444th422446411/05/1944
6462nd422445916/05/1944
740th422445717/05/1944Battlin Beauty”
840th422446617/05/1944“Able Fox”
9444th422446218/05/1944“Princess Eileen II”
10462nd422445618/05/1944“The Shirek”
11462nd422446118/05/1944“Haulinass”
12468th422446919/05/1944“Wham Bam”
13462nd422446320/05/1944“Humpin Honey”
14444th422447222/05/1944
15462nd422447423/05/1944
16462nd422447523/05/1944
17462nd422447924/05/1944
18462nd422448424/05/1944“Our Gal”
19444th422448525/05/1944“Lady Marge”
20468th422448626/05/1944
21468th422448726/05/1944“Bengal Lancer”
2240th422447128/05/1944“Ramblin Wreck”
2340th422449230/05/1944“Deacon´s Disciple II”
24468th422449431/05/1944“Mary Ann”
25462nd422450001/06/1944
2640th422450302/06/1944“Nippon Niper II”
27444th422451003/06/1944“Old Rover”
28468th422450403/06/1944“Gunga Din”
29444th422450707/06/1944“Batchelor Quarters”
3040th422451308/06/1944“Swearter Out”
31444th422451809/06/1944
32444th422452413/06/1944“Super Mouse”
3340th422452214/06/1944“B-Sweet II”
34462nd422453117/06/1944
35462nd422453517/06/1944
3640th422454120/06/1944“Bombin Buggy II”
37468th422454222/06/1944“Lady Hamilton II”
38468th422454622/06/1944
39462nd422450530/06/1944“Wild Hair”
40468th422456705/07/1944
4140th422457207/07/1944“Wichita Witch”
4240th422457910/07/1944“Eddie Allen”
4340th422457411/07/1944“293”
4440th422458214/07/1944“Little Clambert”
45444th422458315/07/1944“Lucky Lady”
4640th422458715/07/1944“San Antonie Rose”
4740th422458915/07/1944“Calamity Jane”
48462nd422459017/07/1944“Celestial Princess”
4940th422448224/05/1944Acidente Natal 10/08/1944
5040th422462031/07/1944“Sleepy Time Gal”
5140th422462131/07/1944“Yokohama Yo-Yo”
52444th422458019/08/1944“Undecided” “Flyin Jackass”
5340th422468531/08/1944“The Outlaw”
54468th422467831/08/1944“Kickapoo Lou”
55468th422470408/09/1944“Gear Box”
56468th422470309/09/1944“American Beuaty”
57468th422470612/09/1944
5840th422471814/09/1944“Black Magic II”
59468th422471514/09/1944“Old Campainer”
60444th422472018/09/1944“Fu-Kmal-tu”
6140th422472619/09/1944
62462nd422471119/09/1944
63444th422472322/09/1944“Shangai Lil Rides Again”
64444th422472422/09/1944“Hollywood Comando”
6540th422472922/09/1944“Nippon Niper III”
66444th422473123/09/1944“Victory Girl”
67444th422473624/09/1944
68468th422473424/09/1944“Miss Lead”
69444th422473026/09/1944“High And Migthy”
7040th422473727/09/1944“Kagu Tsuchi”
71468th422442930/09/1944“Blind Date”
72462nd422478616/10/1944“Assid Test”
73462nd422480121/10/1944
74462nd422480024/10/1944
75462nd422483807/11/1944
76468th422485711/11/1944“Joker´s Wild”
77444th422486115/11/1944
78444th422487318/11/1944“Snuffy”
79468th422487918/11/1944
80468th422469122/11/1944“Fast Company”
81468th422471427/11/1944“Robert J Wilson”
82444th422489128/11/1944“Monsoon Goon II”
83444th422489728/11/1944“Joker´s Wild II”
84462nd422472830/11/1944
85444th422489901/12/1944
86462nd422489601/12/1944“Mis-Chief-Mark”
87462nd422489801/12/1944
88462nd422490407/12/1944“Ramp Tramp II”
89468th422471910/12/1944“The Uninvited II”

Referências e fontes de consulta:

Livro Flight to Everywhere

Livro Fairwing Brazil

https://www.joebaugher.com/usaf_serials/usafserials.html
https://www.armyaircorpsmuseum.org/wwii_20th_Air_Force.cfm