Em 21 de abril de 1934, uma cena impensável para os dias atuais aconteceu em Natal/RN, quando autoridades e pessoas influentes da sociedade se reuniram para confraternizar e celebrar o aniversário de 45 anos do líder nazista, Adolf Hitler, com direito a veteranos da primeira guerra se exibindo com uniformes nacionalistas e medalhas, além de discursos, hinos germânicos e falas pró-Alemanha.
O contexto histórico à época ajuda entender como esse cenário aconteceu e por que a cidade potiguar se envolver nessa situação. Naquele momento, Hitler estava há pouco mais de um ano no poder como chanceler nomeado da Alemanha e dando início ao seu plano nefasto de domínio da Europa e das minorias, entre eles ciganos, comunistas e judeus. Contudo, para parte do mundo aquele regime vivia um momento de desenvolvimento e crescimento econômico, como era difundido pela propaganda nazista. Isso, com certeza, atraiu a atenção e admiração de muitas pessoas, inclusive, autoridades brasileiras. A quem diga que até do presidente Vargas.
As relações comerciais entre o Brasil e a Alemanha só aumentaram no decorrer da década de 1930, quando produtos primários brasileiros eram trocados – sem a necessidade cambial das moedas – por manufaturas, sobretudo, o que era produzido em metalurgia, passando por ferramentas simples como tesouras e enxadas, até mesmo máquinas agrícolas, gráficas e armamentos. Isso despertava uma relação muito positiva nas pessoas, criando um sentimento germanófilo no pré-guerra.
Em Natal/RN havia a influência alemã devido a instalação da empresa aérea Syndicato Condor, uma subsidiária da Lufthansa, que recebia no Brasil os malotes de correio e levava passageiros até o Sul. A cidade era um ponto estratégico para se consolidar no mercado de correspondências, entre a Europa e o Brasil, e ao longo da década de 1930 tentou diversos modelos, desde o uso de navios, aviões e até os famosos balões Zeppelins.

A base da Condor foi instalada na margem do Rio Potengi, na localidade conhecida como praia da Montagem. Em determinado momento, entre os anos 1930 e 1939, a base de hidroaviões era uma verdadeira instalação nazista, ornada com bandeiras e flâmulas com suásticas.
Todo esse cenário justifica a solenidade em Natal para celebrar o aniversário de Hitler na cidade. A solenidade aconteceu na propriedade do comerciante alemão Richards Burgers e na presença do interventor Federal, Mário Câmara, do diretor de Segurança Pública, Potiguar Fernandes, e do diretor geral de Educação, Anfilóquio Câmara, além de estudantes. Fazendo um paralelo, é como se o prefeito de Natal e seus secretários cantassem parabéns para Hitler – ou algum ditador perverso – como convidados especiais da festa. A situação era tão normal naquele período que foi motivo de notas em jornais importantes como o Diário de Pernambuco, do dia 1º de maio, e A República, de 25 de abril.
Texto publicado no Diário de Pernambuco:
FESTA TEUTO-BRASILEIRA – Realizou-se na residência do sr. Richard Burgers, uma festa em homenagem à data natalícia do chanceler alemão Adolf Hitler e ao mesmo tempo da cordialidade teuto-brasileira, no dia feriado nacional, 21 de abril. Presente o sr. Interventor federal dr. Mário Câmara, dr. Potiguar Fernandes, diretor da Segurança Pública, dr. Anfilóquio Câmara, diretor geral da Educação, alunos do Colégio Pedro II, e da Escola Alemã e crescido número de pessoas de nossa sociedade. O sr. Afonso M… (trecho ilegível) pronunciou um discurso, afim de iniciar a solenidade, tendo sido em seguida entoados hinos e cânticos pelos alunos da Escola Alemã. Após a primeira parte, usou da palavra o dr. Mário Câmara, manifestando a sua satisfação por ver o elemento alemão integralizado na terra potiguar e formulando os melhores votos de prosperidades. A família de Richard Burgers ofertou aos presentes rico serviço de buffet. Esteve presente às festas o sr. Nuelle, diretor do Aero Porto da Condor, em Natal, usando o seu uniforme nacionalista e com as condecorações conquistadas durante a guerra.
O senhor Nuelle citado no texto era Ernst Nuelle, um piloto veterano da Primeira Guerra Mundial e que morava em Natal como diretor da Syndicato Condor. Em 1937, ele se aposenta com status de completar 1 milhão de quilômetros voados. Pela descrição, talvez esse seja o personagem mais peculiar desse relato, pois estava fardado com uniforme nacionalista, o qual deveria ser algo relacionado ao partido, e atuou na tradução aos presentes do discurso de Hitler, transmitido pelo rádio.
Enfim, todo esse sentimento de admiração aos nazismo vem abaixo com a aproximação do Brasil com os Estados Unidos, principalmente, pela política da “Boa Vizinhança” colocada em prática pelo Governo Roosevelt, a presença maciça de soldados aliados em Natal e, posteriormente, a revelação das atrocidade cometidas pelo nazismo na Europa.
