Editorial
A notícia de que a administração do presidente norte-americano, Donald Trump, articula o uso estratégico e irrestrito de aeroportos no Brasil, a exemplo da Base Aérea de Natal (BANT) e da ilha de Fernando de Noronha, com o argumento de “direito histórico de retorno operacional”, vem movimentando a internet e os meios de comunicação mesmo sem que nenhuma fonte oficial venha a público confirmar ou que alguém defenda esse instrumento no Direito Internacional.
A informação veio a público no dia 7 de maio e aponta como fonte apenas “diplomatas ligados a setores republicanos do governo” e tratativas informais com autoridade brasileiras, tendo como exemplos as exigências na Groelândia, Canadá ou canal do Panamá. Independente da credibilidade da fonte e respeitando o trabalho jornalístico dos meios que publicaram o informe, este poste tem o objetivo de explicar que a tese não faz sentido militarmente, nem na geopolítica mundial atual.
Os argumentos da nossa tese remontam os anos 1930, quando em 1938, a Pan American (Pan Am) adquiriu do Governo Brasileiro um terreno numa planície, próximo a região conhecida como Cajupiranga, a 16 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte. O local era descrito como de solo duro e cercada por vegetação rasteira e alguns cajueiros, excelente para construção de uma pista de pouso. Esse mesmo local já vinha sendo utilizado como campo de pouso pelo franceses da Aeropostale / Air France, desde 1928. Os arredores era propriedade do português Manoel Machado, que negociou inicialmente com os franceses, que operaram ali até meados de 1940, quando ocorreu a rendição alemã para o Eixo. Isso obrigou a ocupação da terra pelo Exército Brasileiro, em 1941.



Nesse ano, os americanos pagaram por todo o terreno, incluindo uma parte sob a posse do italiano Guglielmo Lettiere, onde operava a empresa L.A.T.I.. Isso representava um área de 1,8 km² e 7,5 km de perímetro, o que possibilitou a construção de uma aeródromo, pistas de pouso, alguns galpões, antes mesmo do início da entrada oficial na guerra por parte dos EUA e Brasil. Toda essa estrutura, no papel, era para atender as demandas da Pan Am, que estava investindo na construção de adequações de aeroportos nas américas, sob o pretexto do Programa de Desenvolvimentos de Aeroportos (ADP), com financiamento do Governo Americano.
Isso acontece não porque os EUA estavam preocupados nossa infraestrutura, mas sim porque precisavam de aerovias para escoar em segurança sua produção bélica vendida aos países aliados, por meio do programa “Lend Lease”, sobretudo URSS e Inglaterra.
Com o desenrolar na guerra, a entrada oficial americana, em dezembro de 1941, e do Brasil, em janeiro de 1942, o interesse em Parnamirim só cresceu e outras porções de terra foram adquiridas, desta vez para ampliar o parque de combustíveis da Standard Oil, hotel de trânsito para os tripulantes da Panair / Pan Am e melhorias nas pistas de pouso, que chegaria a receber dezenas de aeronaves em um único dia.
Em números, após a conclusão das obras, base no Brasil passa a ter 13,5 milhões de metros quadrados (m²) em área ou 13,5 km², com perímetro de 24 quilômetros, 245.000 m² em área coberta e 1.120.000 m² de superfície asfaltada, o equivalente a uma rodovia com 160 quilômetros com 7 metros de largura. Quando falamos em edificações, as plantas finalizadas indicam 432 edificações destinadas ao Exército (Army) e 125 à Marinha (Navy), somando 557 prédios de alvenaria, isso sem considerar as estruturas temporárias como barracas e hospital de campanha.





Um relatório de agosto de 1943, estimava que seriam investidos 10.425.102 de dólares, sendo US$ 8.688.299 já alocados. Neste momento da história, Parnamirim Field contava com 3.106 militares ativos, sendo 311 oficiais, 17 suboficiais, 2.756 alistados e 22 enfermeiras. Já a base de hidroaviões, a Rampa, estava concluída com o investimento de quase US$ 713 mil. Somando os dois valores, foram investidos mais de US$ 11,1 milhões, ou seja, quase US$ 250 milhões nos dias atuais, o que poderia seguir de parâmetro caso os EUA pedissem uma indenização.

Depois de toda essa introdução histórica, cabe o esclarecimento sobre a necessidade Parnamirim Field, como foi batizada a base, nos anos 1940. Desde a década de 1920, inúmeros pilotos trabalharam em uma rota segura entre o antigo continente e a América, sobre o Atlântico Sul, a exemplo de Gago Coutinho, Jean Mermoz, Carlo Del Prete, entre outros.
Quando os EUA passaram fornecer material bélico aos aliados, a rota era a mesma, apenas em sentido contrário ao deixar Natal – na costa oriental do nordeste brasileiro – com destino à África. Essa rota fazia parte do teatro de guerra conhecido por CBI, ou China, Burma e Índia. Duas rotas partiam de Parnamirim, uma com destino a Dakar e outra pela ilha de Ascensão. Na prática, durante maior parte do ano, qualquer equipamento ou material que precisasse chegar no teatro europeu, oriente médio, Norte da África ou extremo oriente, tinham que obrigatoriamente passar por Natal. A rota pelo Atlântico Norte era totalmente viável, mas insegura por parte do ano devido clima severo.

Sendo assim, Parnamirim se tornou um dos maiores hubs logísticos da segunda guerra mundial. A posição geográfica, a limitação tecnológica de autonomia dos aviões, o bom clima e os acordos estratégicos firmados, proporcionaram isso. A força aérea do exército americano (USAAF) cuidava do transporte e a Marinha (U.S. Navy) da proteção da costa, principalmente contra os submarinos.

Já no fim da guerra, os aviões evoluíram e passaram a voar trechos maiores. A prova disso é que na década seguinte, Natal perdeu sua importância para a aviação, pois os motores a jato foram inseridos na aviação comercial substituindo os motores a hélice. A tecnologia evoluiu em uma progressão geométrica e poucos anos depois, os voos diretos entre a Europa e o Brasil se tornaram uma realidade, sem a necessidade escalas curtas e pernas cada vez mais longas, tornando o avião um dos meios de transportes mais confortável e rentáveis existentes.
Do ponto de vista militar, a BANT perdeu sua importância estratégica. Para a FAB seu uso é sem dúvida uma maneira de se mostrar atuante no Nordeste, contudo, seu uso é muito mais como uma grande centro de operações do que instrumento de defesa, a prova disso são os números de esquadrões operacionais e meios aéreos da base, que conta helicópteros de resgate e os caças de ataque leve “A-29 Super Tucano”, incapaz de deter qualquer ataque moderno.
A nossa maior defesa é o mesmo desafio dos primeiros anos da aviação, a vastidão do Atlântico Sul, pois na teoria não temos inimigos fazendo fronteira terrestre com o nordeste e movimentações aeronavais – porta aviões – são morosas e possibilitam uma ação defensiva. Nesse cenário fictício, essa ação partiria de Anápolis, onde está localizado o Grupo de Defesa Aérea (GDA), ou da Base Aérea de Santa Cruz (BASC), onde caças F-39 “Gripen” ou F-5 “Tiger II”, decolariam e chegariam em poucos horas. Vale explicar que isso necessitaria de alguns reabastecimentos em voo e a impossibilidade de velocidade supersônica por todo o caminho. Todo esse trabalho passa a ideia de que o nordeste poderia ser sacrificado, tendo em vista que os meios de defesa das Forças Armadas foram estabelecidas para proteger a região industrializada do Sul-Sudeste e a capital Federal.
Mesmo o Brasil com uma força aérea tão limitada conseguiria deslocar meios por milhares de quilômetros, desperta a pergunta, uma base brasileira faz sentido ser ocupada pelos americanos? Poderíamos responder não e encerrar aqui esse post. Mas como tudo, essa resposta merece esclarecimentos.
É fato que os americanos possuem bases militares por todo o globo, como no Reino Unido, Arábia Saudita, Kwuait, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Alemanha e muitas outras, inclusive na América do Sul, na Colômbia. São centenas e ironicamente, são como uma herança da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria. A maior parte delas estão em áreas de interesse econômicos ou geopolíticos, sendo que as mais importantes estrategicamente com um elemento em comum, a distância do território americano.
Sem entrar no mérito dos porta-aviões, os quais transportam dezenas ou até centenas de caças, bem como outros meios utilizados no combate aéreo moderno, que envolve ataque ao solo, ar-ar e a guerra eletrônica, a força aérea (USAF) detém meios ultra modernos e alguns deles ainda secretos, capazes de voar por distâncias e tempo cada vez maiores e até mesmo indeterminado, sem falar no uso de veículos aéreos não tripulados de forma sistemática. Há 20 anos, durante a guerra do Afeganistão, um avião bombardeio B-52 decolou dos EUA atacou o alvo e voltou para pouso na mesma pista de decolagem, sem fazer pouso, apenas abastecimento em voo. Em 2015, um avião do mesmo modelo cumpriu uma missão de 44 horas, decolando dos EUA e “atacando” a Austrália com bombas de demonstração em um voo único.
E vale destacar que o B-52 é um avião moderno com 60 anos de uso. A frota atual da USAF conta com F-117, B-1, B-2 e os supersecretos ainda não revelados ao público, bem como os VANT´s. Na caça, podemos citar o F-15S “Eagle”, F-16 “Fight Falcon”, F-22 “Raptor” e F-35 “Lightning II”. Todos esses caças possuem capacidade reabastecimento em voo e são capazes de atacar qualquer ponto do globo.

Então, qual a necessidade de ocupar a BANT irrestritamente? Os possíveis inimigos dos EUA na América do Sul não estão próximos a Natal, nem qualquer outra ameaça na África. Na América Central, não existe ameaça e apesar de estar próximo da América do Norte, bases são encontradas na Costa Rica e El Salvador. Parnamirim Field com o passar dos anos perdeu completamente a importância estratégica para a aviação militar. A ocupação seria muito mais uma reposta ao discurso ideológico, uma reformulação do discurso “América para os americanos”.
