96 anos do voo sem escalas entre Roma e Touros/RN

Em 5 de julho de 1928, pousava numa praia de Touros, a 70 quilômetros de Natal, a  aeronave Savoia-Marchetti “S-64” (matrícula I-SAAV), pilotada por pelos italianos Arturo Ferrarin e Carlos Del Prete. O feito concretizava o maior voo sem escalas e em linha reta, percorrendo mais de 7.000 quilômetros

Nota: Até hoje existe discordância, pois para os italianos foram percorridos 7.188 km, enquanto que brasileiros consideraram 7.163 km, apenas 25 km de diferença que não tira o brilho do feito).

A previsão inicial era um voo com mais de 9.000 km, partindo de Roma para o Rio de Janeiro, sem escalas, mas logo viram ser impossível devido as limitações tecnológicas da época, então, traçaram um plano até o estado da Bahia, mas mesmo assim seriam 8.200 km. Com este “Plano B”, eles decolaram na tarde do dia 3 de julho de 1928, com 3.632 litros de combustível, poucos galões a menos do previsto.

Antes de concluir este relato, vale lembrar o contexto histórico envolvendo a aviação. O ano de 1928 marcava o fim da década e dos grandes raids, e com eles o reconhecimento das nações. À época, a Itália tinha o ditador Benito Mussolini no poder e o ministro da aeronáutica Ítalo Balbo, um grande entusiasta, militar e político, que ainda acreditava nos raids para alcançar a fama. Este entusiasmo foi impulsionado por um prêmio em dinheiro proposto pela Câmara do Comércio Italiana de São Paulo, denominado prêmio “De Pinedo” (merece um post do coronel Francesco De Pinedo, protagonista do Raid das Américas).

O desafio consistia em chegar ao Brasil, partindo da Itália, até 31 de dezembro de 1928, em avião italiano – projetado e fabricado – em menor tempo possível. Voltando para o voo em si, no dia 31 de maio de 1928, os pilotos Ferrarin e Del Prete iniciam um teste, abastecendo o avião com 3.486 litros de combustível para um circuito fechado nos arredores de Roma, que durou 58 horas e 43 minutos (encerrou no dia 2 de junho), totalizando 7.666 km, ou seja, cerca de 500 km a menos do esperado para chegar ao sul da Bahia. Isso lhes rendeu um recorde mundial de distância em circuito fechado, o que deu confiança aos aventureiros.

Voltando ao dia 3 de julho, os destemidos decolaram de uma pista especial, com mais de dois mil metros e em forma de rampa, com o “S-64” para o voo que entraria para a história, deixando a Europa e passando pelo Mediterrâneo e África, em direção ao Brasil. Eles voaram baixo em parte do percurso, até chegar no oceano Atlântico, onde subiram para cerca de 800 metros, cerca de 2.500 pés, e realizando contatos frequentes via rádio com embarcações pelo caminho, pois havia receio de acidente no mar, já que o avião tinha apenas um motor e não tinha flutuadores, para um possível pouso no mar.

S-64 em voo

Com 49 horas e 15 minutos voando, na tarde de 5 julho de 1928, os pilotos avistam a costa brasileira, enviando saudações de imediato via rádio, as quais foram captadas em Pernambuco e no RN. Até então estava tudo certo, a parte mais difícil tinha passado e eles estavam há poucas horas de bater qualquer recorde, até então. O planejamento de voo previa decolar com tempo bom na Itália e chegar em tempo bom, também no Brasil. Contudo, eles não contavam com a nossa chuva de meio de ano, comum na região entre junho e julho.

Eles fazem contato ainda sobre Fernando de Noronha e seguem em direção a Natal, mas com o combustível acabando, eles decidem encerrar o feito em Recife, ao invés da Bahia. Vale citar o papel do piloto da Aeropostale, Djalma Petit, que estava em Natal e esperava a passagem da aeronave, prevendo que poderia fornecer assistência se necessário. A partir daí a história fica confusa, pois eles seguem para o sul e, acreditando não ter autonomia para chegar em Pernambuco, eles retornam para Natal em busca do campo dos franceses, inaugurado há poucos meses, na região de Parnamirim, sob administração da Aeropostale.

O mau tempo impede a localização visual e há o relato de que os escoteiros do Grupo de Escoteiros de Natal avistaram o avião e ouviram o roncado do motor, e ainda tentaram sinalizar à aeronave do alto da torre da catedral (Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, atual catedral antiga), sem sucesso, pois eles seguiram para o norte. Sem opção, eles são obrigados a pousar na areia da praia, a poucos quilômetros da cidade de Touros, na localidade que por décadas ficou conhecida como “Lagoa do Avião”.

Ao serem encontrados pelos populares, logo começaram a conversar com o padre Manoel da Costa, que conseguia se comunicar em italiano. O funcionário dos Correios, José Eurico Alecrim envia mensagem à capital, para providenciar o resgate. No dia seguinte, eles foram resgatados por Djalma Petit, que ajudou no conserto do avião, que permaneceu em Touros por mais dois dias, até que foi trazido com ajuda de barcos do Porto de Natal.

O plano inicial era consertar o equipamento, que estava com o trem de pouso danificado para o mesmo seguir viagem para o Rio de Janeiro. Eles tentaram decolar do campo de pouso que existia do outro lado do Rio Potengi, construído pelo Exército. Oficialmente, disseram que o terreno não foi favorável, após duas tentativas frustradas de colocar o transporte no ar. No entanto, o que foi dito, é que apesar dos esforços de Djalma Petiti e dos mecânicos franceses, os italianos não tiveram confiança em voar de novo no S-64.

Enquanto permaneceram em Natal, os pilotos foram recebidos pelas autoridades e participaram de inúmeras celebrações e atos públicos. A acolhida foi tão grande, que coube em livro lançado por Arturo Ferrarin anos depois e resultou ainda no envio da Coluna Capitolina, um presente do dulce Benito Mussolini ao povo natalense (ver post). Em agosto de 1928, finalmente, chegaram ao Rio de Janeiro. A história continua no próximo post.

Quem eram Carlo Del Prete e Arturo Ferrarin

A escolha dos dois pilotos não foi à toa e ministro da Aeronáutica da Itália, Ítalo Balbo sabia o que fazia para alcançar o sucesso. Ele optou por um experiente aviador e veterano da Primeira Guerra Mundial, enquanto o outro era militar com experiência em viagens de grandes distâncias.

Arturo Ferrarin (1895 – 1941) era um famoso piloto na Itália antes mesmo de vim ao Brasil, pois em 1920 havia concluído o raid Roma-Tóquio, marcando o primeiro voo entre a Europa e o Japão. Ele fez carreira como militar e próximo do ministro Balbo. Faleceu aos 46 anos, vítima de acidente aéreo, na Itália.

Carlo Del Prete (1897 – 1928) também tinha experiência na Primeira Guerra Mundial, contudo, como oficial da Marinha, tornando-se piloto em 1922. Era conhecido por ter feito grandes viagens em nome da Itália. Fatidicamente, ele morre na viagem ao Brasil, não devido ao acidente com o S-64, mas a bordo de um avião da Marinha do Brasil, em 16 de agosto de 1928, ao cair no Rio de Janeiro. Ferrarin também estava no voo e ambos são resgatados com vida, contudo, Del Prete não resiste aos ferimentos.

Link Relacionado: A Coluna Capitolina

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