Nesta terça-feira, 28 de janeiro, estamos celebrando 82 anos da Conferência do Potengi, o encontro de 1943, no prédio histórico da Rampa, em Natal/RN, envolvendo os presidentes brasileiro e americano, Getúlio Vargas e Franklin D. Roosevelt, respectivamente. E após oito décadas, ainda há muito o que se falar sobre o tema e esclarecer algumas dúvidas quanto o que ficou decidido e as reais implicações para o país. É muito comum, por exemplo, encontrar textos que relacionam o encontro com a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a entrada do Brasil na guerra ou as instalações de bases aéreas, a exemplo de Parnamirim Field.
Historicamente podemos dizer que essa relação é equivocada e podemos usar uma linha do tempo para comprovar isso. A entrada do Brasil talvez seja o tema mais fácil de desmistificar, pois existe uma ampla documentação sobre o rompimento de relações com o Eixo, em janeiro de 1942, e a decretação do estado de beligerância contra a Alemanha, no mesmo ano.
Já a CSN e a instalação de bases militares em território brasileiro exige um pouco mais de atenção, apesar dos dois assuntos estarem intimamente ligados. Para fazer esse resgate, vamos voltar um pouco no tempo, ao ano de 1937, quando Vargas coloca em prática o Estado Novo e com isso determina a estatização dos recursos minerais, entre eles o minério. Nos próximos anos o governo cria a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico que à época já escolhe um terreno em Volta Redonda, nos arredores do Rio de Janeiro, como local da futura planta siderúrgica do Brasil.
À frente do empreendimento, Vargas coloca Guilherme Guinle – empresário de família tradicional e com diversos negócios de sucesso – que a partir de 1938 busca apoio financeiro de nações estrangeiras para a implantação da CSN. De imediato os Estados Unidos (EUA) negaram qualquer possibilidade de financiamento e há autores que defendem que a negativa se deu justamente pelo receio do Brasil aderir ao Eixo com o andamento da guerra, pois além de Getúlios, alguns generais de alta patente eram tidos como germanófilos.
Enquanto isso, o embaixador alemão no Brasil, Kurt Pruffer (ou Curt Prufer) comunicou o interesse dos alemães conseguirem meios, porém, as tratativas não prosperaram e ficaram para serem discutidas no pós-guerra. Essa alternativa não agradava o governo brasileiro. Vale citar que em 1938, o Brasil era o mais importante parceiro comercial da Alemanha fora da Europa, o que despertava a atenção constante dos americanos, sobretudo, com o início da guerra.
Essa situação deixa o Sr. Guinle em uma situação delicada. De um lado a pressão governamental para ter o plano de industrialização em execução, enquanto que do outro lado as posições duvidosas do presidente Vargas em quem apoiar na guerra dificultavam qualquer possibilidade de acordo financeiro.
O ponto de virada foi o discurso do presidente brasileiro a bordo do encouraçado da Marinha do Brasil, o “Minas Gerais”, em 11 de junho de 1940. Apesar de, em nenhum momento citar o Eixo ou os EUA, a fala reverberou no mundo quando Vargas disse:
“É preciso reconhecer o direito das nações fortes que se impõem pela organização baseada no sentimento de pátria e sustentam-se pela convicção da própria superioridade”.
Em setembro do mesmo ano, os EUA decidiram por abrir uma linha de crédito para o Brasil por meio do Export-Import Bank (Eximban). Fala-se em uma quantia inicial de cem milhões de dólares para o plano industrial e outros duzentos mil dólares para equipamentos das Forças Armadas. Em 31 de janeiro de 1941, ou seja, dois anos antes da Conferência do Potengi, é assinado o decreto presidencial nº 3.002 autorizando a constituição da CSN, e em abril tem seus dirigentes eleitos, com primeiro presidente o empresário e homem de confiança governista, Guilherme Guinle. Portanto, tira da questão do encontro dos presidente o debate em torno desse feito em 1943.
Todavia, esses acordos foram fechados em tempo de paz, então qual a relação com a guerra? Até dezembro de 1941, os EUA estavam fora do conflito e o Brasil até janeiro de 1942. Entretanto, os americanos estavam participando indiretamente quando fabricavam material bélico para seus aliados e inimigos do nazismo. No quesito aviação, os equipamentos dependiam de uma rota segura, que dependia em especial de bases no Nordeste brasileiro, sobretudo, quando queriam atravessar o Oceano Atlântico. A permissão para a instalação dessas bases aéreas passa pela liberação dos recursos para a CSN.
Como o Brasil detinha a soberania nacional e se manteve neutro na guerra até 1942, antes desse período, os americanos tiveram que encontrar uma forma de driblar os olhares dos órgãos locais e ainda dos espiões inimigos. Em Natal, a principal beneficiária desse acordo foi a Pan Am (PAA) e sua subsidiária brasileira, a Panair do Brasil. O governo norte-americano institui um programa internacional que serviria de apoio à empresa atuando em outros países, entre eles o Brasil. Tal iniciativa recebe o nome de Airport Development Program (ADP), com recursos e obras subordinadas diretamente ao Corpo de Engenharia do Exército dos Estados Unidos, e seria responsável pela construção de uma rede de bases no Norte e Nordeste brasileiro.
Outro motivo, que também justificaria as bases com o passado do tempo era o acordo diplomático internacional, formatado na Conferência Interamericana de Havana (1940), que deliberou o documento “Assistência Recíproca e Cooperação para a Defesa das Nações Americanas”, no qual contava que: “um atentado de um Estado não americano contra a integridade ou a inviolabilidade do território, soberania ou independência política de um Estado americano seria considerado um ato de agressão contra todos”. Com isso, a Marinha dos Estados Unidos providenciou meios aéreos para patrulhar o Atlântico e escoltar os comboios marítimos já no fim de 1941.
Portanto, muito se fala sobre a Conferência do Potengi e sua importância para os caminhos do Brasil na guerra. Como o país já tinha cedido áreas para construções de bases desde 1941, a exemplo de Parnamirim Field, e declarado guerra contra a Alemanha em 1942, o que restava ao país fazer para aumentar seu engajamento na guerra, por meio do envio de tropa, e criação de uma força expedicionária, que foi criada em agosto de 1943, após a Conferência do Potengi. O assunto já era debatido desde 1942, com diversos teatros da guerra como possibilidades, sendo o norte da África o cenário mais provável. Contudo, o plano saiu do papel após a conferência em Natal.
Referência:
NETO, Ricardo Bonalume. A Nossa Segunda Guerra: Os Brasileiros em Combate 1942 – 1945. Editora Contexto. 2021.
BARONE, João. 1942: O Brasil e Sua Guerra Quase Desconhecida. Editora Harper Collins. 2018.
LATFALLA, Giovanni. Relações Militares: Brasil-EUA 1939/1943. Gramma Editora. 2019.
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