Uma das perguntas mais comum de se ouvir quando se fala sobre Natal/RN e a Segunda Guerra Mundial é: O que ainda existe de registro da presença americana na cidade?
Tirando o que está preservado dentro das bases militares, seja da Marinha, Exército ou Aeronáutica, talvez a melhor resposta seja um lugar acessível a todos e por onde circula milhares de pessoas de por dia: A Pista!
A popular “Pista” – como era conhecida entre os cidadãos natalenses – começou a ser construída em 1942 e se estendia por 12 quilômetros, ligando Natal até a base aérea, à época conhecida como Parnamirim Field – Campo de Parnamirim – e ocupada pelas forças armadas dos Estados Unidos. Atualmente, a referida rodovia compreende trechos das avenidas Hermes da Fonseca, Senador Salgado Filho e Governador Mario Covas, estas últimas compondo os quilômetros 100 a 107 da rodovia federal BR-101.
Contudo, Parnamirim Field é de 1941 e antes dos americanos, os franceses já utilizavam o campo de pouso desde 1927. E como era possível chegar ao local? Ao longo dos anos se falou de uma pista pelo atual bairro dos Guarapes, pela zona Oeste de Natal, o que não fazia muito sentido tendo em vista que a base estaria em direção ao sul. Outra opção seria sobre as dunas, passando onde hoje seria os bairros de Mirassol e Neópolis.
Pode-se dizer que as duas possibilidades em algum momento foram utilizadas, uma antes da guerra e outra mais próximo dos anos 1940. A recente revelação de um mapa utilizado pelos americanos em 1938, demonstra bem o caminho margeando o Rio Potengi em direção a cidade de Macaíba, mudando de direção em um distrito à época chamado por Carnaubal até a ponte férrea sobre o rio Pitimbu. Daí em diante, segue o traçado da linha férrea até o Campo de Parnamirim.
A linha férrea sempre é citada quando se pesquisa Parnamirim, como sendo uma herança da Great Western. Um detalhes que merece ser citado é que em 1927, quando os franceses procuravam um local ideal para instalar um campo de pouso, a linha foi apontada como direção ao sul, até a comunidade conhecida à época, como Cajupiranga.
Voltando a estrada de carros há relatos sobre a viagem sendo iniciada às 5 horas da manhã, com transporte saindo do Mercado da Cidade Alta, atualmente agência do Banco do Brasil, na Avenida Rio Branco, demorando cerca de três horas. Tal trajeto deixava a cidade pelo bairro do Alecrim e seguia em direção a Macaíba, pela estrada dos Guarapes, até uma ponte, e daí seguia para Paramirim, por estrada carroçável e por propriedades rurais. Os buracos, poeira e lamaçal em tempos de chuva eram os maiores desafios, ao ponto de colocarem um trator de sobreaviso neste caminhão, batizado por “Furão”.
O segundo caminho – sobre as dunas – deve ter sido criado por causa do esforço de guerra, utilizando em especial pelos jeeps e caminhões militares, provavelmente, tracionados em mais de um eixo.
A obra!
Logo no início dos anos 1940, o Army Corps – uma organização administrativa do Exército Americano – percebeu a necessidade de uma pista ligando a cidade à base, e de imediato inicia sua construção. Em correspondência assinada pelo representante local do Departamento de Engenharia de Parnamirim Field, Carleton Mathews (1943), informa que os equipamentos de engenharia chegaram a Natal vindos de Fortaleza, no Ceará. Tal maquinário seria utilizado na construção da Pista.
Em 4 de março de 1942, C.P. Gardner chegou com uma caravana de equipamentos que trouxe de Fortaleza. Ele foi designado para trabalhar na estrada da base para Natal em 11 de março, e em junho, depois de ter praticamente concluída a construção da estrada, ele foi transferido para o campo para ser superintendente de construção… MATHEWS C. F., 1943
A chegada do engenheiro Gardner e sua influência sobre as obras em Natal, entre 1942 e 1943, mereceu destaque e foi tema de correspondência enviada pelo gerente do Airport Program Development (ADP) na cidade, Nelson Lansdale, ao escritório geral da organização, à pessoa de Tinothy B. O´Brien.
À frente da caravana de equipamento conduzido por terra e a chegada de um operador de equipamento e um mecânico, ambos americanos, o uperintendente assistente, Clinton F. Gardner chegou a Natal em 4 de março de 1942. O Sr. Garndner tinha trabalhado antes com Everett J. Roberts, ainda como oficial do superintendente de construção do Projeto Natal, […]. No dia 11 de março, Gardner assumiu o trabalhar na construção de uma das melhores rodovias do Brasil: dezessete quilômetros rodantes de argila brasileira e asfalto de Trinidade, misturado com habilidade da engenheira e engenhosidade americanas, de junho de 1942 até sua partida em Abril de 1943, o Projeto Natal foi obra de “Pipe” Garndenr. Ele era e é o tipo de homem de construção que os homens da construção admiram. Com um chapéu de feltro batido preso no topo de um penteado grisalho assanhado, “Pipe” preferiu o campo ao escritório, ele era mais feliz quando seus olhos azuis duros podiam examinar o trabalho em curso fora do lado de fora das portas. Às vezes, seu temperamento se transformava em um ataque de raiva irracional – então era melhor sair de seu caminho. LANSDALE, outubro 1943.
Ao todo foram 12 semanas de trabalho, que incluiu a demarcação do terreno, limpeza, terraplanagem, aplicação da sub-base, drenagem e a pavimentação em si. Vale citar que o esforço de guerra foi fundamental para a conclusão da obra em tempo hábil, pois, apesar de não ter as exigências e licenciamentos atuais, nem também os longos processos de desapropriação, o traçado da pista partiu praticamente do nada, sobre um relevo acidentado e um solo arenoso, praticamente sobre dunas.
Referência:
MELO, Protásio Pinheiro de. Contribuição norte-americana à vida natalense. Natal/RN. 1993.
PINTO, Lenine. Natal, USA: II Guerra Mundial – A participação do Brasil no Teatro de Operações do Atlântico Sul. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. 1995.
OLIVEIRA, Leonardo D. A Engenharia Norte-Americana em Natal na Segunda Guerra. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. 2018.