Especial FEB – 80 anos da tomada de Monte Castelo

Há 80 anos, o dia 21 de fevereiro de 1944 entrou para a história do Brasil, sobretudo para o Exército Brasileiro, quando nossos bravos pracinhas conquistaram o até então inexpugnável Monte Castelo, na Itália. Mas antes de entrar no assunto faremos uma introdução de como a tropa chegou até ali, voltando para o ano de 1942.

Em agosto daquele ano, o Brasil entra oficialmente na guerra e desde então se falava no envio de homens para o combate, apesar o assunto encontrar uma grande resistência dentro do próprio Exército e em setores da sociedade. Esse cenário muda graças ao protagonismo de um civil, o ministro de relações exteriores, Osvaldo Aranha, um agente fundamental da aproximação com os americanos, culminando com a Conferência do Potengi, ocorrida em Natal, em janeiro de 1943.

Ao longo desse período, cogitou-se envolver tropas brasileiras nos Açores, Guianas, Panamá e até Norte da África. Contudo, apenas em agosto de 1943, um ano após a declaração de guerra, nasce no papel a Força Expedicionária Brasileira (FEB), por meio da Portaria Ministerial nº 4744, cujo comando foi dado ao general João Batista Mascarenhas de Moraes e a ideia inicial era convocar 75 mil inscritos, o equivalente a três divisões, mas este número chegou a 25 mil soldados – entre homens e mulheres – das mais diversas regiões do Brasil, sendo 358 deles potiguares (Confira aqui a lista dos norte-rio-grandenses  que embarcaram na FEB).

Em 16 de julho de 1944, o primeiro escalão da FEB com mais de 5 mil homens desembarca no porto de Nápoles, na Itália. Esse contingente era formado pelo comando da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE), o 6º Regimento de Infantaria (RI), a 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia (BE) e um pelotão de Reconhecimento. Esse efetivo passa a incorporar o XV Grupo de Exércitos Aliados, no IV Corpo do V Exército Norte Americano, que se deslocaram para a região central italiana, também conhecida como “linha gótica”.

O comandante do V Exército, o general Mark Clark tinha a difícil missão de abrir caminho para a Alemanha pelo Vale do Rio Pó, pois durante algum tempo o Alto Comando Aliado acreditava que chegaria até Hitler pela parte central da Europa, pelo Passo de Brenner, antes de se pensar no desembarque na Normandia, na França. Para isso, deveria ocorrer o domínio da cadeia montanhosa italiana, conhecida como “linha gótica”, composta por inúmeros picos que em 1944 estavam ocupados pelo Exército Alemão. Vale citar que os italianos faziam parte do Eixo, mas naquele momento tinham se rendido, então, quem fazia resistência aos aliados era uma força de ocupação alemã e alguns remanescentes italianos. O plano do V Exército envolvia percorrer e ocupar o Vale do Rio Reno, tomando a cidade de Bolonha pela Estrada 64. Contudo, os alemães tinham vantagens numéricas e de terreno e qualquer tentativa de ocupação naquela área era rechaçada pela artilharia e metralhadoras no alto dos montes.

General Mark Clark em revista às tropas brasileiras nas proximidades do Monte Castelo (Fonte: Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural do Exército – DPCEx)

O primeiro deslocamento da FEB como uma unidade protagonista seria nesse cenário, pelo Vale do Rio Reno e teria como alvo o “Monte Castelo”, um pico localizado na região da Emília-Romanha, a 970 metros do nível do mar pouco mais de 200 metros de sua base até o cume. Assim como tantos outros morros da linha gótica, era um ponto estratégico na defesa dos vales ao redor. Ele em específico era defendido pela 232ª Divisão de Infantaria Alemã, sob o comando do general Eccard Freiherr von Gablenz, e composta por homens experientes em combate vindos da frente oriental e bem equipados.

Cenário como o Brasil encontrou ao chegar na Itália

Novembro de 1944 – A primeira impressão

Em 9 de novembro, a FEB chegam à linha de frente com a missão de eliminar qualquer resistência alemã, pois o comando do IV Corpo do Exército previa a conquista linha gótica antes do inverno, em meados de dezembro. Nesse momento, apenas o 6º Regimento de Infantaria da FEB estava em condição de combate, contudo, o grupo vinha de dois meses de ofensiva em outras frentes como força auxiliar.

O recompletamento da FEB contava com outros dois regimentos – 1º e 11º RI – mas eles estavam passando por treinamento e adaptação com o armamento, com previsão de entrar em combate apenas na primeira semana de dezembro. Esse cenário mudou quando o general Mark Clark ordenou ao comandante Mascarenhas de Moraes o imediato deslocamento das tropas brasileiras, que chegaram dez dias depois.

Naquele momento, a tomada de Monte Castelo era vital para o controle da estrada 64 e um deslocamento seguro das tropas até a cidade de Bolonha. Mas além desse pico, outros ao redor como o Belvedere e Della Torracia.

Os americanos criaram a Força Tarefa 45 (Task Force 45) e incorporam um batalhão da FEB, além de um esquadrão de reconhecimento e uma companhia do 9º Batalhão de Engenharia, que teriam apoio de blindados e artilharia de campanha no avanço sobre o Monte Castelo. No dia 25, eles fazem uma primeira investida, mas são contidos pelos alemães. No dia seguinte, uma nova tentativa tem êxito na tomada da montanha, porém os alemães fizeram um contra-ataque fulminante, obrigando as tropas aliados a deixarem o local, recuando.

Em 29 de novembro, o general Mascarenhas de Moraes recebe a ordem de uma nova ofensiva para tomar Monte Castelo e dessa vez utilizaria os esforços do 1º e 11º RI, pois os homens do 6º RI estavam exaustos. A novidade era que os alemães previram esse novo ataque e reforçaram toda a linha de combate com minas, ninhos de metralhadoras e atiradores de elite (snipers). Além disso, na noite do dia 28, um ataque alemão tomou de volta o Monte Belevedere, que estava sob ocupação dos americanos.

Pracinhas da FEB em patrulha na região do Monte Castelo (Fonte: DPHCEx)

O deslocamento dos brasileiros aconteceu ainda na madrugada e bem lento, já que tinha chovido na noite anterior deixando o terreno um verdadeiro lamaçal, difícil até mesmo para os blindados que dariam apoio. Homens do 1º Batalhão do 1º RI e do 6º Batalhão do 11º RI teriam o primeiro contato com a guerra, se deslocando nas primeiras horas da manhã, com apoio da artilharia brasileira. Esse avanço durou até o meio dia, quando os alemães iniciaram uma ofensiva efetiva, obrigando o recuo dos brasileiros, resultando em 190 baixas (mortos, feridos e desaparecidos) na FEB.

Dezembro de 1944 – Uma nova FEB forjada no frio e fogo.

O comando do V Exército não desistiu de tomar Monte Castelo, e já nos primeiros dias de dezembro ordenou uma nova ofensiva liderada pelos brasileiros, com receio do inverno chegar e dificultar ainda mais as coisas. O planejamento queria um novo ataque no dia 12, mas esperavam uma melhora no clima.

Ironicamente, naquele momento da guerra os aliados tinham total controle do espaço aéreo naquela região, mas em contrapartida os alemães dominavam os montes atacando o solo mais abaixo.

Voltando ao dia 12. A manhã amanheceu chuvosa, com nuvens pesadas e baixas. A expectativa é que esta situação climática favorecesse a movimentação das tropas do vale em direção ao cume. Homens do 1º Regimento iniciaram o deslocamento com apoio da artilharia, o que despertou a atenção do inimigo, que reagiram impiedosamente.

Artilharia da FEB

A FEB se deslocava lentamente por causa do mau tempo e isso foi desastroso pois a artilharia inimiga começou a disparar em meio a névoa e até o fogo amigo de blindados dos EUA fez vítimas. Alguns homens, heroicamente, conseguiram chegar ao topo do Monte Castelo, mas foram mortos. Seus corpos permaneceriam no local por meses sendo resgatado somente após o inverno, em fevereiro de 1945.

Às 15 horas daquele dia, o comando da FEB ordenou o recuou da tropa. O terceiro em menos de um mês. Isso mostrava o grande desafio que o Monte Castelo representava e motivava ainda mais a tropa para uma nova tentativa. Neste dia, morria em combate o 3º sargento Wilson Viana Barbosa, natural do Rio Grande do Norte.

Esta última ofensiva foi determinante. O comando do IV Corpo do Exército determinou a suspensão dos ataques até passar o inverno, colocando toda a linha de frente em estado defensivo. O inverno de 1944 foi um dos mais severos do século naquela região, fazendo com que as temperaturas caíssem para – 20 ºC, mudando completamente a paisagem, ainda mais para os brasileiros acostumados com o país de clima tropical.

Todo esse cenário desfavorável parecia não desmotivar os alemães que continuaram a atacar com artilharia incansavelmente. Por outro lado, permitiu tempo para que os brasileiros treinassem e preparassem para a próxima fase da guerra. Entre dezembro de 1944 e janeiro de 1945, a tropa fez patrulhas e treinou e no fim das contas, a inverno fortaleceu os brasileiros e foi a primeira vez que usaram o icônica Cobra Fumando como símbolo nos uniformes.

Registro da última reunião dos veteranos da FEB, no ano de 2011, em Natal (Foto: Leonardo Dantas)

Esse período também foi marcado por uma mudança de estratégia. O comando do V Exército mudou o plano de avanço, passando para o Vale do Rio Panaro, com intenção de alcançar o Vale do Rio do Pó pelo Leste. Isso colocou Monte Castelo no meio do caminho, tornando o alvo estratégico e fundamental. Além disso, o IV Corpo recebeu o reforço da 10ª Divisão de Montanha, uma unidade de elite alpinista recém-chegada dos EUA.

Foi pensado então no Plano Encore, uma operação conjunta que tomaria diversos montes, entre eles o Monte Castelo. A FEB tinha ainda um segundo objetivo, oferecer proteção de retaguarda ao avanço dos aliados pela região.

Soldados brasileiros em trincheiras na Itália (Fonte: DPHCEx)

Fevereiro de 1945 – A Cobra Fumou

A 10ª Divisão de Montanha é colocada a prova e se sai vitoriosa em 19 de fevereiro, quando retomou o Monte Belvedere, tomado pelo inimigo no fim de novembro de 1944. Isso permitiu a ocupação de outros montes, obrigando a retirada de tropas alemães, sobretudo, no leste.

No dia 20, aconteceu uma novidade, quando uma esquadrilha formada por aviões P-47 “Thunderbolt”, pertencentes ao 1º Grupo de Caça da FAB, o “Senta a Pua”, sobrevoa e bombardeia o Monte Castelo com oito bombas de 56 libras, nas primeiras horas da manhã. Apesar do “Senta a Pua” ser formado por brasileiros, nem sempre eles prestavam apoio à FEB, pois as forças atuavam de forma independente no cenário de guerra, sob o comando norte-americano. Essa missão em particular era a de número 226 do Senta a Pua e seu relatório consta que ao menos um alvo teria sido destruído com sucesso, ajudando ainda na destruição de casamatas que abrigavam metralhadoras.

Resumo da Missão:

Uma posição de artilharia destruída com um impacto direto (canhão no extremo Norte). Uma bomba quase atingiu o alvo e provavelmente danificou uma posição de artilharia. Um piloto atacou com metralhadoras a posição durante o bombardeio, o resultado não foi observado.

Disponível em:

https://www.sentandoapua.com.br/portal4/?option=com_content&view=article&id=197&Itemid=1870&aa-226

O amanhecer do dia 21 ficou marcado por um clima de confiança, algo diferente se comparado com as outras tentativas, dos últimos meses. As tropas seguiram para o Monte Castelo sob a proteção da artilharia americana e ainda contavam com apoio do 1º Esquadrão de Ligação e Observação (1º ELO), que sobrevoava o front e indicava as posições inimigas.

Mapa com informações em português dado ao comandantes da FEB no dia 19.02.1945, indicando em vermelho resistência alemã (Acervo do autor)

Nas primeiras horas da manhã, os brasileiros deram início a ofensiva em direção a Monte Castelo, junto de um ataque secundário na região de Abetaia onde também tinham alemães dando apoio. Essa coordenação e ataque simultâneo era bem diferente das situações anteriores, demonstrando que a tropa estava melhor treinada e preparada. O resultado foi que às 17h20 o Monte Castelo estava tomado e as tropas alemãs rendidas, após 12 horas de combate.

A alguns quilômetros dali o comandante da FEB, o general Mascarenhas de Moraes recebia os cumprimentos do então comandante do XV Grupo dos Exércitos Aliados, o general Mark Clark e do comandante do IV Corpo do V Exército, o general Willis Crittenberger. Ambos demonstraram satisfação com os resultados obtidos pelos brasileiros.

Fonte DPHCEx
À dir. o potiguar sargento Severino Sousa com vestimenta de inverno nos arredores do Monte Castelo (Foto: acervo do autor)
Veterano da FEB, Severino Sousa (Foto: Leonardo Dantas)