Por que um avestruz?

Em 2 de maio de 1945, às 8h45 da manhã, era cumprida a missão de número 444 do 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira (1º GAVCa), na Itália. Aquela missão de reconhecimento sobre o Passo de Brenner viria a ser a última do grupo no teatro de guerra europeu, colocando de vez os “avestruzes” brasileiros na história. Mas por que os pilotos brazucas escolheram tal ave como símbolo de uns dos mais importantes esquadrões de caça? O avestruz que nem é comum em nossa fauna, nem tão pouco causa medo nos inimigos ou “presas” como outros animais de rapina, a exemplo do carcará ou águia!

Quem pode responder isso é o próprio autor do desenho que marcou fuselagem dos aviões P-47 “Thunderbolt”, o ilustrador e capitão aviador Fortunato Câmara que deixou isso registrado em um livro de ilustrações, voltado principalmente para crianças, sob o título “Esta é uma historinha que conta como vovô virou avestruz”.

No livro ele explica o porquê da escolha da ave e os demais elementos, até a versão final e oficial da FAB, se tornando um dos ícones mais conhecidos das Forças Armadas. De acordo com Fortunato, o desenho começou a tomar forma não no ar, mas ironicamente no mar, a bordo do navio UST Colombie, a caminho da Europa, em setembro de 1944. Ao lado de outros colegas, eles relembraram dos desafios dos primeiros anos da FAB e do treinamento exaustivo no Brasil e, sobretudo nos EUA. Ironicamente, não apenas uma referência levava até o avestruz.

Desenho do livro do ilustrador Fortunato

A primeira delas diz respeito ao ano de 1941, quando o Governo do Brasil por intermédio do programa de lend-lease, adquiriu aeronaves que foram trasladadas dos EUA, e para essa viagem foram escalados alguns pilotos. À época, poucos dos oficiais da FAB falavam inglês, por isso, eles era obrigados a andar e bando, o que despertava a atenção dos gringos e gerava situações inusitadas, já que muitos repetiam o comportamento e pedidos de poucos. Igual a um bando de avestruz.

Um situação decorrente desse comportamento foi a estranheza em torno dos alimentos e temperos norte-americanos, gerando comentários do tipo: “sé tendo apenas estômago de avestruz”. Isso era devido a mistura de feijão com açúcar, sopa com abacaxi, ovo em pó, entre outras combinações um tanto estranhas para o gosto brasiliano.

Após a escolha do animal símbolo, Fortunato e os colegas partiram para outros detalhes. As feições foram inspiradas no tenente Pedro de Lima Mendes, o “Limatão”, com um toque especial que tornou o animal sisudo ou bravo, pois diferente dos avestruzes comuns, o do grupo de caça não deveria esconder a cabeça quando pressentem o perigo, mas ao contrário, era corajoso e tinha vontade de brigar diante a presença do inimigo.

Outros elementos foram adicionados. O escudo estampado com o Cruzeiro do Sul, pois deveria representar a defesa do Brasil e para atacar, armaram o avestruz com um trabuco. Além disso, a ave entoaria o grito de guerra “Senta a Pua”, que quer dizer vamos em frente. Já detalhamos isso no post “O dia que brasileiros sentaram a pua”.

Com o andamento da guerra, o desenho sofreu algumas alterações, como o acento agudo “Púa”, mais ou menos redondo ou o desenho do tiro de flak alemão sobre a cabeça do avestruz. Assim como a Cobra Fumando, como o desenho foi feito no campo de batalha, difícil exigir qualquer tipo de padronização, ficando a cargo do artista que retratava no nariz do avião.

Por fim, os membros do Senta a Pua incorporaram bem o apelido e se tornaram os avestruzes.

Abaixo uma detalhamento do site Sentando a Pua sobre a simbologia do emblema:

Faixa verde e amarela: o Brasil

Avestruz: Velocidade e maneabilidade do avião de caça e o estômago dos pilotos, que aguentava qualquer comida.

Quepe do Avestruz: Piloto da Força Aérea

Escudo: a robustez do P-47 e proteção ao piloto.

Fundo Azul e Estrelas: O céu do Brasil com o Cruzeiro do Sul

Pistola (Trabuco): Poder de fogo do Thunderbolt

Nuvem: O espaço aéreo.

Fumaça e Estilhaços: a artilharia antiaérea (FLAK) inimiga

Fundo Vermelho: O sangue derramado pelos pilotos na guerra

“Senta a Pua”: o grito de guerra do 1º GAvCa.

Referências:

  • BUYERS, John Willian. A História do 1º Grupo de Caças 1943 / 1945.
  • LIMA, Rui Moreira. Senta a Pua!
  • CÂMARA, Fortunato. Esta é uma historinha que conta como vovô virou avestruz.
  • Sentando a Pua.