O século XX trouxe inúmeros avanços tecnológicos e sociais, e há quem diga que o ser humano nunca se viveu tanto tempo como nos últimos cem anos. E é justamente sobre o tempo que este artigo irá tratar, contando a história de um equipamento urbanístico, que por décadas, balizou o tempo dos natalenses. Vamos falar sobre o relógio da Avenida Câmara Cascudo ou popularmente conhecido como “relógio do Sesc”.
A data de inauguração, 2 outubro de 1911, se tornou um marco na história de Natal. Além de ser aniversário do então governador, Alberto Maranhão, naquele dia ocorreu a ligação da energia elétrica como um serviço público na cidade e início do funcionamento do relógio elétrico no coração da cidade, tudo isso graças a inauguração da usina do Oitizeiro, próximo a região do Baldo. Vale citar a eletricidade já era uma realidade na cidade, no entanto, não como um serviço à disposição da sociedade, restrito a poucas fábricas .
Voltando ao relógio. Sua instalação consta com uma das principais obras públicas do governador Alberto Maranhão, como está escrito na Mensagem Anual de 1911, enviada ao Congresso Legislativo, onde diz entre os feitos de sua administração naquele ano:

“Balaustrada da avenida Junqueira Ayres, com 103 metros de extenção e 10 candelabros electricos e um belo relogio decorativo tambem electrico, tudo de fabricação das oficinas Val D´Osne, de Paris” (transcrição do texto orginal)

A mensagem expõe se tratar de uma obra do Governo estadual e a empresa fabricante, a fundição Val D´Osne francesa, que além do relógio também providenciou a fabricação dos candelabros e da balaustrada que até os dias atuais permanecem no local, atualmente denominada por avenida Câmara Cascudo, em terreno da administração regional do Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Norte (Sesc RN).
À época, a localidade havia se tornado a principal artéria de Natal, onde todos passavam e marcavam seus compromissos. O relógio elétrico foi a cereja do bolo, instalado no alto e numa esquina, em frente ao então Palácio do Congresso – equivalente à Assembleia Legislativa –, do quartel do 21º Batalhão de Caçadores do Exército e próximo do recente inaugurado “square” Pedro Velho. Natal no início do século XX, assim como outras cidades brasileira, buscava semelhanças com as metrópoles europeias e americanas, e para isso, diversos equipamentos arquitetônicos foram instalados ou reformados. O conjunto composto por; balaustrada, relógio, bonde e praças, definia um marco e a chegada dessa modernidade.

Um tempo em que a estética era um complemento do funcional, ou seja, além de servir tecnicamente também tinha um olhar dos adornos e detalhes para embelezar os equipamentos. Os contornos do relógio e dos candelabros são a prova disso, pois possui detalhes muito bem esculpidos.
Sobre sua funcionalidade, importante lembrar que até meados do século XX, determinar e saber a hora era uma missão muito nobre, numa época em que havia apenas os relógios de parede e alguns de bolso, bem antes da popularização dos aparelhos de pulso. O rádio era um grande aliado dessa missão, mas dependia de uma referencial que em Natal, acabou sendo o relógio do Sesc. As pessoas marcavam seus compromissos e tudo era determinado pelo equipamento que marcava e apontava as horas. Em matéria falando sobre seu funcionamento, na década de 1910, consta que ele era regulado e ajustado em conformidade com informações recebidas diretamente do Observatório Pereira Reis, no Rio de Janeiro.
Nos anos seguintes, apesar do empenho do poder público, a manutenção do relógio e sua delicada máquina ficou a desejar e por diversas vezes quebrou e permaneceu parada. Nos anos 1960, o artista Newton Navarro escreveu artigo no jornal Diário de Natal criticando a inércia da Prefeitura com o equipamento, chegando a declarar que “Natal era um cidade sem hora”. Na edição d´O Poti, de 2 de setembro de 1956, é dito que o relógio havia sido vítima de depredação de vândalos.
Em 1957, bem próximo ao relógio surge um prédio onde funcionaria a administração regional do Senac e Sesc e, em 1968, a entidade assume uma restauração da peça que tinha permanecido cerca de 26 anos sem uso efetivo, muitas vezes porque estava sem alimentação elétrica.


A restauração contemplou dois novos mostradores de hora, a balaustrada e os candelabros. Um detalhe que desapareceu na história foi a placa de inauguração, descrita como em bronze, e com informações sobre a data, fundição e autor da obra. Em alguns artigos na internet é dito que o projetista seria o inglês Mortimer Brown, mas sem maiores referências ou documentos que atestam a autoria.

Desde então, o relógio elétrico se tornou um marco da modernidade em Natal e um símbolo de que o tempo não para, nem os efeitos dele no mundo em que vivemos.

A fundição do relógio
A fundição Val D´Osne, funcionava nos arredores de Paris desde 1836, fundada pelo industrial Jean Pierre Victor Andre, tido como o inventor do ferro fundido ornalmental. No Brasil, a fundição tinha como cliente a companhia Barboart Des Dauts, responsável por importantes obras como as grades que circundam o Parque da República, no Rio de Janeiro. Na mesma cidade, encontra-se o chafariz da praça XV de Novembro e a estátua “A Justiça”, na praça Tiradentes. E na Bahia, está o chafariz Terreiro de Jesus, também da mesma fundição.
Talvez um dos clientes mais famosos da Val D´Osne seja o artista e escultor Frédéric Aguste Bartholdi, autor da Estátua da Liberdade, entregue aos Estados Unidos em 1886. A estátua em si não foi confeccionada pela a fundição em questão, mas as réplicas que ele fez até o final de sua vida.



Eletricidade em Natal
A primeira vez que se “fez” a luz em Natal foi ainda em 1893, na fábrica de tecidos de Juvino Barreto. Já em 1835, por ocasião do casamento de Alberto Maranhão e Inês Barreto, filha de Juvino, foi feita a ligação de iluminação da rua, no trecho entre a fábrica – atual Caixa Econômica da Ribeira – e a casa dos Barreto, atual colégio Salesiano São José. A terceira exibição de luz elétrica se deu por ocasião da visita do presidente da República, Afonso Pena. O mesmo Juvino Barreto providenciou a ligação da eletricidade na casa do então senador Pedro Velho, onde hoje existe o Jornal A República.


Fonte:
“A Eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1011 – 1940)”. Autor: Alenuska Kelly Guimarães (2009).
“A Primeira Luz Elétrica em Natal” publicado em A República (30/05/1959). Autor: Câmara Cascudo (reproduzida na revista Nós, do RN).